Rio 450: saiba como nasceram o Chorinho e a Bossa Nova
http://videos.r7.com/rio-450-saiba-como-nasceram-o-chorinho-e-a-bossa-nova/idmedia/550895ce0cf25d2681d8796c.html
quinta-feira, 7 de maio de 2015
quarta-feira, 6 de maio de 2015
CAPOEIRA
MESTRE TIMBÓ TVE - CAPOEIRA E RELIGIÃO - GRANDES MESTRES
https://www.youtube.com/watch?v=MM6L3XexBL4
https://www.youtube.com/watch?v=MM6L3XexBL4
sexta-feira, 1 de maio de 2015
Entrevista com Maria Teresa, ex-escrava, em 1973
Entrevista com Maria Teresa, ex-escrava, em 1973
http://www.geledes.org.br/entrevista-com-maria-teresa-ex-escrava-em-1973/
http://www.geledes.org.br/entrevista-com-maria-teresa-ex-escrava-em-1973/
Importante relato sobre a escravidão no Brasil, uma
entrevista de 1973 transcrita e publicada no blog Spirito Santo, traz
conversa com Maria Teresa, ex-escrava, de 117 anos na época, e iniciada no
Jongo. O áudio da entrevista foi captado na quadra da Escola de Samba
“GRES Arranco de Engenho de Dentro”, localizada entre Cascadura e Engenho de
Dentro: “Um dia chegava, tirava o filho da gente pra vender. Hum! Minha mãe num
foi vendida? Minha mãe num era daqui. Minha mãe era lá da Bahia. Foi. Vendero
aí pra um vendedor aí, ó! Meu avô num foi vendido? Meu avô era africano e foi
vendido. Então? Foi vendido, num é? Foi o Visconde! Minha avó foi vendida. Isso
tudo foi vendido. Agora vai vender quem é? Vão vender quem é? Vai vender
ocê?…(Solta uma gargalhada) Vão vender quem é?”
No Brasil 247
Uma entrevista de 1973, encontrada recentemente por um grupo
de estudos de cultura africana, retrata o quão recente na história do Brasil a
escravidão está. No ano da gravação, Maria Teresa Bento da Silva estava com 117
anos, e relatou as tradições africanas no dia-a-dia dos escravos, a fuga da
fazenda e o Jongo. Leia a transcrição, publicada no blog de um dos participantes
da gravação, o Spirito Santo.
Por Antônio José do Espírito Santo, para o Spirito Santo
Por Antônio José do Espírito Santo, para o Spirito Santo
A Roça de Teresa revisitada
Transcrição completa de entrevista em fita K7 com uma
ex-escrava de fato
Numa noite de 1973, na quadra da Escola de Samba “GRES
Arranco de Engenho de Dentro”, localizada entre Cascadura e Engenho de Dentro,
Rio de Janeiro, fiz uma entrevista impressionante, a primeira pesquisa de campo
da minha vida! Comigo, participou um grupo de amigos que estava por lá (entre
os quais o radialista Rubens Confeti, da Rádio nacional aqui do Rio de Janeiro,
o poeta Lucio Flávio e o fotógrafo José Ricardo D’Almeida).
O impressionante era que a entrevistada estava prestes a
completar 117 anos e…havia sido escrava! Quem já ouviu, ou mesmo viu, uma
pessoa de 117 anos? São pessoas raras. Muitos eventos que só conhecemos pelos
livros, foram para elas corriqueiros.
A visão clara que elas tem do passado remoto, para nós é tão
desconcertante que parece mentira. Mas juro. Não minto e repito: Isto não é
ficção. Desta vez, a história é a mais pura realidade. Os incidentes que a
entrevistada nos dá conta – como testemunha ocular (!) – são de 1874, quando
ela estava com 15 anos. Aconteceram, numa fazenda de café do Vale do Paraíba do
Sul, Rio de Janeiro, chamada Santa Teresa, num município denominado hoje
Avellar (que, na época, ainda pertencia à cidade de Paraíba do Sul).
O nome Avellar é emblemático pois o patrão, o senhor de
nossa entrevistada era, ninguém menos, que o Visconde do Paraíba, João Gomes
Ribeiro de Avellar. O nome de nossa entrevistada é Maria Teresa Bento da Silva,
matriarca de uma espécie de dinastia que, sediada no morro da Serrinha, em
Madureira, não só implantou no lugar o Jongo trazido da roça, como ajudou a
criar, em 1947 a Escola de Samba Império Serrano (Teresa foi a orgulhosa mãe de
Antônio dos Santos, o Mestre Fuleiro, histórico diretor de harmonia desta
escola).
O registro foi feito num gravador K7, cuja fita, mídia
fantástica que é, sobrevive intacta em meu arquivo já digitalizada e na nuvem
(o CD com a cópia reserva que fiz, já morreu) O documento – que eu tenho um
orgulho enorme de ter produzido – é um dos mais impressionantes e raros
registros históricos, que eu conheço sobre o assunto e será posto um dia à
disposição dos interessados em algum acervo público, dos poucos que o Brasil
possui.
(Dos poucos registros de relatos ou entrevistas com escravos
que conhecemos, pode-se citar alguns poucos, como os realizados por Nina
Rodrigues já no fim do século 19 e o relato de Solomon Northup, registrado no
filme “12 years slave“. São contudo relatos escritos, transcritos por
terceiros. Fatos tão remotos narrados pelo próprio ex-escravo, de viva voz, com
sua opinião e visão sobre oque viveu sem intermediações, confesso que nunca
ouvi falar de outro no mundo. Se alguém souber que nos informe)
Decidi dar a este post, que reproduz a transcrição da
entrevista, um jeito menos formal. A ideia foi deixar Teresa falar sem edição,
diretamente, para nós, seus leitores. Teresa morreu dois ou três anos depois da
entrevista (entre 1975 e 1976) Tinha, pelas contas que fazia, 120 anos. Com sua
voz valendo, narrando por si mesma os episódios, faremos um roteiro de cinema cuja
produção começa agora. As locações serão nos ambientes reais, onde tudo
aconteceu.
Ao final deste post, alguns comentários se fizeram
necessários, já que a entrevista gerou uma série de questões inéditas, a serem
respondidas por uma pesquisa, de veios muito ricos, que, pelo visto não vai
acabar tão cedo. Um destes veios é sobre o Jongo, enquanto ingrediente
importante do caldo de cultura que é o Samba e que, a partir dos elementos
trazidos à luz pela entrevistada, ganha contornos muito mais nítidos, no tempo
e no espaço.
Contudo e por tudo, mais uma vez afirmo, é Maria Teresa
Bento da Silva, a ex-escrava quem fala sobre o que viu em 1874. Por mais
desconcertante que isto possa parecer, é tudo verdade.
A Roça na voz de Teresa
A Roça na voz de Teresa
..”Queria dizer que naquele tempo eles sabia fazer o que
agora num vejo ninguém fazer. Faziam! Se você estava com dor de cabeça ou uma
dor de barriga, eles passavam a mão assim na tua cabeça e a dor de cabeça ia
embora, passavam a mão assim na tua barriga e dor de barriga ia embora. Agora
não. Agora eles não faz nada. Eles não sabem é nada. Eu não…Naquele tempo era
bom.
Eu não. Não sabia (curar). Só o Jongo. Num podia nada. E,
depois…naquele tempo não podia aprender mais nada porque o Sr. num deixava. Nós
carregava os filhos deles. Ah!.. Deus me livre se agora fosse como naquele
tempo! Nossa Senhora! Se agora fosse como naquele tempo…O Visconde era de
Paraíba. De Avellar. Visconde de Avellar.
Num sabe aquela família Avellar? Ainda está lá. O sobradão
branco, diz que tá cheio de cobra. Num tem mais nada daquilo. Num tem mais nada
daquilo, meu filho. Fui uma vez lá depois que eu vim pra aqui, com alguém. O
sobrado tá a mesma confusão mas, o sobrado eu conheço por dentro. Um
apartamento, lá no alto. Sobrado grande. Só a fazenda! Só o pessoal que tinha!
O Visconde tinha escravo de pagode! Tinha escravo pra duas
forma. Duas forma (cerca de 300 escravos)! O visconde botava duas forma.
Visconde de Avellar. Foi senhor do meu pai….Pra quem viu o cativeiro como eu
vi….É triste. Olha…se você não queria dançar,você tinha que levar couro. Se não
queria fazer qualquer coisa, tinha que apanhar. Tinha tronco. Tinha tronco de
campanha, tinha tronco de botar nos pés, tinha tronco de botar no pescoço,
tinha isso tudo.”
A fuga da fazenda
A fuga da fazenda
…”Meu pai era capataz da fazenda. Meu avô criador de porco,
mas era porco mesmo, num era esses porquinho de hoje não. A gente passava bem e
passava mal. Mas morreu muita gente e, depois o Dr. Avellar era muito ruim! O
pai dele num era ruim como ele não mas ele era. É brincadeira? Botar
‘bacalhau’? Não sabe o que é ‘bacalhau’?! Aqui na cidade tinha que ainda quando
eu vim aqui pra cidade eu vi ‘bacalhau’, vi tronco aqui na cidade.
‘Bacalhau é aquilo que é como se diz?…Como aquilo que é
couro, enroscado assim…Um relho! Mas não era chicote não. Chicote era trançado
e não era trançado não. É. É o que fazia…Dr. Avellar. Ele era filho do
Visconde…
Se fugia muita gente? Fugia! Fugia! Chamava Capitão do mato.
Procurava eles. O que procurava eles era o Capitão do Mato.
Coitados! Vinha tudo amarrado, algemado assim, tudo
algemado, heim!”(perguntada se lá tinha quilombo, não entende a pergunta):Em
Paraíba tinha tudo. Pra onde eles fugia? Era no mato virgem. Era mais na roça.
Paraíba, Campo Verde, Boa Vista, Conceição, Santa Teresa. Eu fui criada na
fazenda da Santa Teresa. Era do Visconde de Avellar. Ficavam lá no mato,
coitados. As vezes eles vinham, roubavam um porco do senhor e iam comer no
mato. Fazia fogo no mato pra comer.
Ficava. No mato eles ficava escondido. Quando pegavam
eles…meu senhor! Como passavam mal, como eles passavam mal no bacalhau…Olhe!
Deus soube o que fez. Deus soube o que fez, meu filho! Eu vi isso tudo, sabe?
Esse tempo eu tinha meus 15, 16 anos. Eu vi muita coisa, né? Eu era Ventre
Livre, eles queriam me bater, eu disse não! Eu sou forra! Eu sou ventre livre,
não sou escrava não! Escravo é minha mãe e meu pai! Queriam me bater? Não. Não
me batem não!
Aí eu fugi. Eu fugi e fui encontrar com meu pai, aí meu pai
era fugido…Que ele vinha fugindo do serviço, ora! Que vinha fugindo da roça!…Aí
meu pai me disse: O que que ocê está fazendo aqui, minha filha?
Eu falei: Eles queriam me bater, eu fugi! Meu pai: Você não
pode apanhar, porque você é forra, minha filha. Escravo sou eu, que sou seu
pai! Agora você não vai mais pra lá!
Aí eu fui lá pela roça, com meu pai. Ia pra roça com meu pai
e minha mãe. Deus faz a verdade, o que eu vi aquele pessoal passar aquele
tempo. Dava tapa na cara das criada, dos escravo. Olha!.. Eu tinha raiva de um
tal de nome Lulu. Era filho do Dr. Avellar, de quem meu pai era escravo.
Eu não sei o que foi que meu pai fez, meu pai ia levar o…
ele foi, veio de lá, e mandou um tapa na cara de meu pai. Aí meu pai ficou
revoltoso. Ai meu tio disse assim: Vamo embora! E o meu pai, não sei se queria
matar ele. Eu num sei. Foi embora. Pra roça. Aí eu tomei raiva dele. Aí ele
falou: Ô crioula! Eu falei: Crioula é a sua mãe!
Que ocê deu um tapa na cara do meu pai agora! Se eu fosse
meu pai eu te capava a barriga agora!
E ele: Ó sua negrinha! Negrinha, não. Não sou negrinha. Tava
com 15 anos. Aí eu fui indo pra roça. Aí meu pai: Mas ocê veio pra roça? Falei:
Vim que eu não quero mais ficar na fazenda. Que eles botava as crianças, as
pequena, as negrinha, pra brincar com os filhos, pra carregar os filhos dela.”
O Munhambano…
O Munhambano…
“Tinha festa. Eles davam muita festa pros escravos. Muito.
Eles davam S. João, Santo Antônio, tudo. Eles davam… Natal. Tudo eles davam
festa. No Natal eles davam roupa… Os fazendeiros é que dava. Dava tudo. Graças
á Deus! Dava tudo mas…era aquilo. Mas, era ali, ó!
Minha avó era lavadeira dos escravos. Meu avô era tratador
de porco. Minha avó era Benta! Benta da Silva e meu avô também era Bento.
Antônio Bento da Silva. Ela era Munhambana.
Ele também era. É. Todos dois eram Munhambanos. Ah…Eles num
contaro como era de onde eles vinham não. Eles num contaro que a gente era
criança naquele tempo…Meu avô num era preto não. Meu avô, o cabelo dele era
aqui (mostra abaixo do ombro) Minha avó também. Meu pai era mulato mas casou
com a minha mãe que era preta.
E as outras minhas irmãs eram tudo mulata. Eu e meu irmão
saiu da cor da minha mãe. Mas, meu avô? Meu avô o cabelo dele parava aqui
(mostra de novo o ponto). Nós penteava o cabelo:(imitando avô:)’Ara! Ara eu!
Ara eu pega ocê!’ Tudo assim que ele falava. (imita de novo:) ‘Oça o tutra!”
Sei lá, colher que ele pedia, a gente não sabia, se era uma coisa que ele pedia
e a gente não sabia. (imita de novo:) ‘ Mim dá essa coisa aí o ningrinha!': Nós
pidia a ele.
Aí ele sabia o que era. Meu avô Antônio. Ele não era preto. Era
mulato. Se era mulato de cabelo liso? Era mulato de cabelo liso. É. Veio da
África. Meu avô, minha avó contava, porque na fazenda tinha muita gente
africana, tinha…Angola, isso…D’Angola… isso tudo tinha.
Os português trazia ele pra aí. Tudo era assim.(Se irritando
com a desconfiança dos entrevistadores reticentes com a descrição do avô): Meu
avô era africano! Meu avô, minha avó, era tudo africano….(de novo irritada com
a insistência da pergunta sobre o estranho biotipo de seu avô): É. Africano.
Gente africano. Pois ele era africano! Munhambano é África!
É África. meu avô era africano! Quantas vezes quer que eu
falo? (mais irritada ainda): Não! É África! Lugar na África (se acalmando:)…
Aqui não tem Madureira? É como assim. É África. É mesmo que lugar da África.
Aqui não tem cidade? Num tem Paraíba do Sul? Então? É como a África. É assim.
Aquele tempo…A gente morria de medo de fazer filho.
De que jeito que a gente vivia? O filho lá… Um dia chegava,
tirava o filho da gente pra vender. Hum! Minha mãe num foi vendida? Minha mãe
num era daqui. Minha mãe era lá da Bahia. Foi. Vendero aí pra um vendedor aí,
ó! Meu avô num foi vendido? Meu avô era africano e foi vendido. Então? Foi
vendido, num é? Foi o Visconde! Minha avó foi vendida. Isso tudo foi vendido.
Agora vai vender quem é? Vão vender quem é? Vai vender ocê?…(Solta uma
gargalhada) Vão vender quem é?”
Teresa e a República
Teresa e a República
…”Hoje é tudo diferente, meu filho. Óia… Porque que eles
tiraram o Deodoro da Fonseca?
Porque Deodoro sabia governar! Inda outro dia (imitando o
questionamento dos filhos)… Aí, oh mãe…Ó mãe, a Sra…(como se a interromper os
filhos)…O que?? Deodoro sabia governar!! Assim que acabou o cativeiro, foi
Deodoro que tomou conta. Deodoro botava tudo ali, na linha. Agora não. A mulher
dele era boa. Ele era muito bom. A gente comia bem, bebia bem. Aquelas coisa
que ficava ruim nas venda…ele mandava jogar tudo fora. Aí…Óia a gente panhando
na rua!
Que é de que tá assim agora? Que é de? Que é de?.. Peixeiro,
que chegava aí, da praia, lá do lado de lá, da praia de Niterói,…Chegava os
peixeiros ? Dava tudo pro home. Ah…! Ele botava aqueles peixes tudo fora. A
gente panhava aqueles peixes grandes. Ficava bem bom. Óia a gente se espanando
nos peixes. Mas, agora?
Trabalhei pra Deodoro da Fonseca! Eu que tô aqui! Não me
incomoda. Aqueles soldados (imitando o soldado lhe fazendo a corte:) ..Ih! De
adonde ocê é, heim? E eu: Num tem conversa! Subia. Levando a roupa que minha
tia lavava, eu ajudava ela a lavar, ajudava a engomar, viu? E tô aí, com a
graça de Deus! Eu agora nem sei o que é soldado!? Soldado hoje é porcaria, não
vale nada, não vejo nada. Eu ando na rua e num sei quem é soldado! Porque,
aquele tempo…era SOLDADO!
Aquele tempo ocê conhecia GENERAL! Hoje em dia num sabe quem
é general, não sabe quem é doutor, num sabe nada nesta vida!…Aquela época tinha
(imitando marcha:) báu, báu, báu, báu! Aquelas fardas, que a gente passava, as
fardas alumiando o sol, assim…ninguém podia. Agora, hoje em dia num se vê nada.
Num vê nada. Anda de calça arregaçada. Aquele tempo, ocê via isso aqui do
general, dos soldado…
Você dizia: Ih!, fulano, eles vem lá! Hoje em dia ocê até
empurra eles assim…Soldado muito bem vestido, a roupa bem engomada. Quando era
gala, a roupa branca…a coisa ali, ó! Eu tinha (respeito)! Eu tinha! Tanto que
as vezes até tomava benção.
Ocês sabe que general naquele tempo era General. Hoje eu não
sei quem é general! General assim, com estrela, (imitando marcha de novo:)…Táu,
táu, táu, táu, chega só…só naquele pisar dele eu sentia medo. Soldado que ocê
tem aí? As vezes eu fico assim oiando. Lá perto de mim mora um soldado. Eu falo
(desalentada:)… Isso é soldado?! Ah…Eu tinha respeito de soldado. Hoje em dia
não tenho respeito de soldado. Tinha”.
Jongo em 1874
“O Jongo é dos africanos. É do meu avô…Meu avô era do
cativeiro. Chamava Antônio Munhambano, africano. Eu sou de Paraíba do Sul. Ele
primeiro era do Dr. Avellar. Ele era escravo do Dr. Avellar, num sabe? Ele era
escravo do Visconde e do Visconde ele foi para o Dr. Avellar. O Visconde era o
pai do Dr. Avellar. Não sei Visconde de quê. Só sei que é visconde, seu
conde…naquele tempo, num é ? Foi lá em Paraíba do Sul, na fazenda de Avellar,
num sabe?
Meu avô era africano. Foi achado. A parte da África eu não
lembro. Só sei que ele era africano. Era ‘munhambano’. Era de Munhambá (sic) e
quem trouxe ele pra aqui foi o português, né? Foi quem trouxe ele. O meu avô.
Ele tinha raiva de português porque trouxeram ele pra aqui.
Diz que abanavam lenço encarnado e eles vinham chegando. Eles não sabiam
naquele tempo quem eram e aí, trouxeram ele….O Jongo representa pra mim a mesma
coisa que é: Negócio da gente africana. O Jongo era festa dos cativos. Era
Caxambu, viola…Tinha viola. Meu pai era tocador de viola. Antônio Bento da
Silva. Tocava viola…e meu avô, tocava urucungo.
Não…cantado mesmo em…O Jongo era a festa dos pretos. Se era
dos preto velho? Não. Era festa dos pretos. Pros brancos vê a gente dançar.
Era um terreiro grande, tocava o caxambu e os brancos vinham
e a gente cantava pra eles vê a gente cantar e dançar. Era só pra eles vê. Que
a gente era escravo, tava na fazenda. O que é que ia fazer? E se não dançasse,
ó…!Era sábado e domingo. As vezes fazia na festa de São João. Foi meu avô quem
trouxe o Jongo da África e botou na fazenda pra todo mundo.
Até hoje eu danço, canto o Jongo.Os instrumentos? O que eu
sei era caxambu…É aquele de bater: caxambu. A viola era de tocar e o pandeiro
acompanhava a viola e o meu avô tocava urucungo, sabe o que é não é ? Botava na
barriga …O senhor não sabe o que é urucungo?!
Pois então!? É igual a berimbau. Só que naquele tempo não
era berimbau. Era urucungo. Botava aqui, ó (mostra a barriga). Botava no umbigo
a cuia e batia.
Eu achava o Jongo daquela época mais bonito. Agora eu faço o
desse tempo mesmo. Deixa eu lembrar…Um bom…Jongo dele mesmo, do meu avô. Quando
ficou forro e a gente cantava. ‘Carolina‘. Cantava assim:”(cantando)
(Áudio e partitura:Arquivo grupo Vissungo, RJ)
Oh, pra que pente carorina?
Num tem cabelo
Pra que pente Carorina?
Sem cabelo
Pra que pente Carorina?
Num tem cabelo
Pra que pente Carorina?
Sem cabelo
Pra que pente Carorina?
Ê pra que pente Carorina?
Sem cabelo, pra que pente Carorina?
Ê pra que pente Carorina?
Não tem cabelo,
pra que pente Carorina?”
Sem cabelo, pra que pente Carorina?
Ê pra que pente Carorina?
Não tem cabelo,
pra que pente Carorina?”
…”Mas era eles que cantavam e a gente respondia…Era língua
africana sim, uai?! Assim. A gente até caçoava deles (zombando): Canta assim,
num é ? (enfática): Era língua sim! (repete a letra do ponto de Jongo sem
explicar)…essa era na língua deles (canta mais) …mas a gente não respondia
assim. Respondia depois.”
Jongo 100 anos depois
…”Hoje num tem mais nada. De primeiro, na casa dessa só
tinha Jongo (se referindo á Madureira) . Todos os sábados nós dançava mas…o
pessoal morreu. Num ficou ninguém. Cada casa tinha Jongo. Cada casa tinha
Jongo. Era todo sábado.
Ah…Quem canta o Jongo sou eu…tem essa outra aqui mais…as
outra precisa…Pode aprender. Nós aprendemo, num é? Elas pode aprender, vê a
gente dançar, cantar e elas aprende também….Tem. Tem. Em Madureira tem muito.
Tem muito, oh!.. A Maria (se referindo á Maria Joana, mãe de Darcy do Império,
já falecido e hoje conhecido como Darcy do Jongo) quando deu o Caxambu teve
gente lá assim, ó! Na casa dela. Agora eu não. Se ocês for lá vê. Eu nunca mais
dei. Eu não. Meu marido morreu, eu fiquei eu com meus filhos, sabe. Graças a
Deus.
Fiz Jongo! Óia…Ainda hoje eu soube que lá na minha terra tem
Jongo quase todo sábado. Diz que tem Jongo. Naquela casa que ocês….diz que eu
vou lá. Ela disse que qualquer tempo ela vai me levar lá. Diz que o Jongo, que
o bagúio lá é assim! O Caxambu lá é de arromba. (para Joana):..Ocê tem num
vontade de pular no Caxambu de lá não, Maria? O Caxambu lá é de fato.
E a gente sabe cantar aqui? Num sabe cantar. Num tem voz!
Essa gente aqui num tem voz pra cantar. Quem vai cantar o Caxambu sou eu…Aquela
pequenazinha hoje num sei se vem, é só. E lá não…todo mundo à cantar, todo
mundo à dançar! Lá em minha terra. Graças a Deus!
Óia…Todo mundo fala: A Sra., já tá com essa idade e ainda
dança? Danço! Inda pulo o meu Caxambu! Graças á Deus!”
Notas finais
(Pesquisa suplementar)
Maria Teresa teria nascido em 1859. Os fatos dos quais nos
dá conta são de quando ela estava com cerca de 15 anos. Logo, o Jongo que
descreve é, portanto, aquilo que sobre a manifestação poderia saber uma
adolescente. São preciosas no entanto as descrições sobre uso no Jongo da
época, de instrumentos como o Uruc-ungo (a raiz ‘Ungo” diz respeito a um arco
musical tipicamente Bantu, angolano mais precisamente) e a viola.
Em 1874, já com o processo de decadência das fazendas da
região se aguçando, sabe-se que foi hábito comum entre os ‘Barões do Café‘
demonstrar, ostensivamente, os resquícios de fausto que lhes restavam, forçando
seus escravos a se exibir para visitas, vindas, não raro, da Corte.
Foram, certamente, a partir destas viagens, que danças como
o Lundu, por exemplo, migraram para a os salões da Corte.São importantíssimas
as informações que presta, no sentido de que seu avô, africano de nação
‘Munhambano‘, foi quem trouxe a prática do Jongo para o local (não o seu avô,
pessoalmente, é claro, podemos deduzir, mas africanos bantu, trazidos para
aquela região, de cultura similar a dele). O fato curioso dela falar e insistir
que seus avós eram mulatos de cabelo liso, pode ser, definitivamente, explicado
pelos dados a seguir.
Inhambane de fato se refere a uma vasta região ao norte de
Maputo, em Moçambique, no litoral do país, habitada por um povo de fenótipo
muito característico, já que foi exposto, durante muito tempo, às influências
gerais das históricas relações entre Ásia e África, ocorridas na costa africana
do Oceano Índico, relações estas que produziram, entre outros efeitos, alguma
mestiçagem de negros com árabes (cujos interesses comerciais penetraram ali
antes dos portugueses) e indianos (que marcaram fortemente o perfil étnico da
população do Madagascar, por exemplo, ilha muito próxima à costa a Moçambique).
Num gráfico sobre a demografia escrava na região de
Vassouras, RJ, está demonstrada a existência na região da própria Vassouras e
de Paraíba do Sul de indivíduos da etnia Inhambane, associação evidente com o
‘Mu-nhambano‘ citado por Maria Teresa.
Por esta hipótese quase cabal, os avós de Maria Teresa foram
pegos no território Inhambane e postos num navio que, atravessando o cabo da
Boa Esperança, deu no oceano Atlântico, seguindo para o Brasil, onde estas
pessoas desembarcaram no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, seguindo a pé,
serra acima para as fazendas de café do Vale do Paraíba do Sul.
Sendo o mbundo e o kimbundo angolanos as línguas de uso
predominante entre os escravos da região na época, usava-se o prefixo (adjetivo
coletivo) ‘Mu” antes do local de origem das pessoas, para identificá-las mesmo
que esta origem não fosse Angola (‘Mu-Kongo‘: Congolês, ‘Mu-brasil’: brasileiro).
Por esta hipótese etimológica evidente, Mu-inhanbane (ou
‘munhanbano‘ como quase vernacularmente falava Teresa) eram pessoas oriundas do
Inhambane, Moçambique, região com franca miscigenação entre africanos negros e
asiáticos oriundos em tempos mais remotos das ilhas do Oceano Índico e da costa
do continente asiático, razão também cabal do fenótipo do avô de Teresa ser
‘mulato de cabelo liso’.
Segundo o gráfico acima citado (de Flávio G. dos Santos),
haviam apenas 8 indivíduos de origem Inhambane na região de Vassouras entre
1837 e 1840, seis deles residindo em fazendas nas quais pode ser incluída a
Santa Teresa, citada por Maria Teresa. Alguns destes indivíduos são citados nos
autos do processo de condenação de Manoel Kongo à forca em 1839. A hipótese de,
pelo menos, dois destes seis escravos serem parentes (dois seriam os próprios
avós ‘Munhambanos‘) de Maria Teresa é de todo modo, impressionantemente
plausível.
Precioso é, do mesmo modo, seu testemunho pessoal – e
ocular- de que eram comuns na região as torturas, as fugas e os
‘aquilombamentos‘. Os locais descritos por ela, correspondem a onde está
circunscrito hoje parte do Município de Avellar, vizinho de Paraíba do Sul.
Na crônica da insurreição de escravos conhecida como
‘Quilombo do Manoel Congo‘ (sobre o qual este autor escreveu o espetáculo o
‘Auto do Manoel Kongo’ que pode ser lido neste link“), ocorrida em 1838 nesta
região), tem papel importante nos conflitos a fazenda de Santa Teresa, já
pertencente naquela época a João Gomes Ribeiro de Avellar, o Visconde do
Paraíba (chamado de Visconde de Avellar por Maria Teresa).
O Barão de São Luiz, Paulo Gomes Ribeiro de Avellar, filho
do visconde, (talvez o tal que bateu na cara do pai de Teresa e é chamado por
ela de ‘Lulu’ – ‘Pau…LuLu’) é citado no processo que condenou Manoel Congo à
morte, como dono do escravo citado como sendo o próprio ‘Vice Rei‘ do quilombo,
um tal de Epifânio Moçambique, provavelmente um “munhambano“, morto na refrega.
Não tendo feito qualquer comentário sobre o retorno de seu
pai, de sua mãe ou dela mesma para a fazenda, depois da fuga narrada, fato que,
por sua relevância dramática, com certeza teria sido citado na entrevista,
pode-se deduzir que Maria Teresa (e toda a sua família), viveu na condição de
quilombola a partir de 1874 em diante.
A afirmação que faz de que ainda viu instrumentos de tortura
na Corte, atesta o fato surpreendente de que ela já estava residindo no Rio de
Janeiro, na proclamação da República, havendo ficado livre, portanto, cerca de
14 anos antes da Abolição.
Nota final
Num ano destes aí – já na década de 2000- esta entrevista
apareceu transcrita, desautorizadamente, sem crédito algum à sua fonte que é o
Grupo Vissungo (grupo musical e de pesquisa que teve a iniciativa de
entrevistar Teresa em 1973 – com a participação dos entrevistadores citados,
entre eles este que vos escreve) num site do departamento de História de uma
importante Universidade Federal aqui do Rio de janeiro.
Advertidos os responsáveis por email, a transcrição foi
deletada do site. Informamos aos leitores por causa deste fortuito, antiético e
algo recorrente incidente, que a transcrição de documentos e fontes orais, do
mesmo modo que qualquer documento histórico, precisam ter os créditos dos
autores devidamente informados, como aliás adverte a licença Criative Commons
que inserimos no topo desta matéria.
Esta eletrizante entrevista é um dos eixos temáticos
principais do meu livro ‘Do Samba ao Funk do Jorjão’ que saiu em versões papel
e e.book (Ed. KBR Digital e Amazon.com) em 2004
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